O Desassossego do Pó
- Bruna Lopes

- 18 de nov. de 2024
- 2 min de leitura
Viemos do pó, numa dança em espiral,
escrita muito antes de mim.
Mas isto, afirmo, isto não é nada,
só um sopro no tempo,
uma linha de terra a marcar o caminho.
No entanto, algo arranha sob a pele,
um peso quase memória,
um eco que finge silêncio.
Talvez seja uma sombra,
a marca que deixaram de antes –
só mais tarde é que percebi.
Sinto o som de passos abafados que não são meus,
e noto a linha funda, retorcida,
que mal sei de onde começa
ou para onde vai seguir.
Feita do pó que conhece o pó,
percebo que o ciclo
dobra-se sobre nós para se repetir,
inclinado a recriar o passado no mesmo traço,
como se tudo o que fomos ainda estivesse aqui.
Respiramos,
e o primeiro fôlego já pesa,
parece que o destino sabia antes de nós
que seríamos parte desta roda,
a mesma de ontem e de antes disso.
Nascidas com uma sentença que o acaso dita,
o peso do destino cravado na carne.
Os rios secam, e o sol ergue-se
sobre terras onde as bocas se calam,
onde mulheres sonham entre quatro paredes –
só aí, as palavras podem dançar,
pesadas, mas nunca ditas,
murmúrios abafados de um grito contido.
No fim, voltaremos ao pó,
mas ainda carrego a esperança,
essa teimosia tola,
que insiste num breve segundo antes do próximo passo,
num instante entre a queda e o repouso.
E talvez, só talvez, as marcas de agora
sejam sementes de algo que nunca realmente tivemos —
o pó não sabe, mas guarda,
todas as perguntas, todas as promessas.
E assim, um dia, a vida vai começar
onde sempre termina,
e algo, finalmente, se transformará.






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