Ad Aeternum
- Mariana Ribeiro

- 18 de nov. de 2024
- 2 min de leitura
Um homem encontra um garfo cor-de-rosa, que nunca viu antes, no bolso do seu casaco. Envolto num diáfano plástico bolha, tão débil e abatido quanto as mãos que o seguram, perfura o naipe central de uma carta do, quase destruído pelo tempo e pela amargura, baralho do avô. Distingui-lo-ia no meio dos escombros almejantes ou de trincheiras invadidas por números, valetes, damas e reis, fruto de todos os serões de domingo que passara a baralhá-lo, enquanto ouvia os relatos obscuros daquelas guerras arcaicas cujos pormenores decorara mesmo antes de saber honrar o apelido da própria família por escrito. Pobre a criança inocente acerca do futuro que, poucas gerações depois, a conduz no comboio do adeus de quem o coração lhe tem.
Em movimento, com o peso de meio corpo suspenso na moldura enferrujada da janela, recorda o momento onde ali mesmo, dias antes, possuiu com esforço os lábios da sua esposa, dando-lhe o que poderia vir a ser o último beijo do «felizes para sempre». Ela, em bicos de pé, entre lágrimas e palavras, deslizou aquele enigmático embrulho pelo bolso profundo da sua elegíaca farda verde, que até hoje não tivera a coragem de se afastar das pontas de cigarros perdidas e do bilhete escrito num pedaço de jornal.
«3 de abril de 2022.
O dia em que a injustiça se cravou nos nossos três corações vermelhos como o garfo da tua filha se enterra neste três de copas. Peço a todos os Deuses do Olimpo que retorne a esta mesa. Ad aeternum três à sua volta.»
Num fôlego de esperança confundida com convicção, fecha no punho a sua única recordação de palavras de amor e, levando-a ao peito, decide que esta é, a partir de então, a sua nova missão de guerra.






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