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O Calor da Memória

  • Foto do escritor: Sul
    Sul
  • 16 de dez. de 2024
  • 2 min de leitura

O crepitar da lareira faz lembrar-me do privilégio de apenas estar presente, sabendo que brevemente estarei quente. Independentemente do frio que sinto agora, que descontrola o meu corpo em arrepios, sei que haverá consolo. E posso parar de temer o silêncio, que é a voz da melancolia, e render-me a escutar a lenha a ser ardida. Fechar os olhos e sentir que, à medida que o meu corpo aquece, a dor em mim diminui.

À medida que observo atentamente a lenha, pensamentos invadem-me e dou por mim a lembrar-me da infância. Aquela doce época em que todos os detalhes pareciam ter mais cor, desde as meias com luas e estrelas que decoravam as minhas pernas até aos risos que se espalhavam pela casa e não davam provas de que iriam terminar. Eram tempos em que não via o mal, e as minhas preocupações, apesar de simples, eram carregadas de sentido: brincar com os amigos; ouvir as histórias que os adultos contavam à mesa (mesmo que não percebesse muito); criar desenhos para a minha mãe e ir ao parque com o meu pai.

Seria bom voltar a ser criança, ter uma chance de recapitular todas as pequenas coisas que já não sinto da mesma maneira e que, na altura, me passaram ao lado por estar com pressa de crescer. Agora, em tom de ironia, o que mais receio é isso mesmo: que o passar do relógio seja tão rápido que o tempo me escape; que, mais tarde, acorde sem encontrar vestígios da criança que fui; que o medo me congele e me impeça de correr atrás do que desejo.

Numa visão menos negativa, preocupações como essas poderão funcionar como lembretes de que a vida não é feita apenas das coisas que temos. E que todos queremos voltar a ser crianças porque era quase instintivo conectarmo-nos uns com os outros e imaginarmos juntos mundos exóticos, fora do planeta Terra, conversarmos sobre o absurdo e exercermos uma profunda admiração pela beleza, que muitas vezes passa despercebida aos adultos nas suas vidas complicadas.

Agora estou completamente quente. O calor da brasa abraça-me o corpo e a alma, e conforto-me em saber que posso acender a lareira sempre que quiser fugir do frio que faz lá fora. Não é por acaso que os povos antigos veneravam o fogo e acreditavam que este os purificava. Realmente, quando confinado a uma lareira, a chama é capaz de orientar o remoinho que por vezes se instaura nas nossas mentes e nos faz acreditar que tudo ficará bem.


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