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O Direito À Beleza

  • Foto do escritor: Bruna Lopes
    Bruna Lopes
  • 20 de abr.
  • 3 min de leitura

Não escolhemos o lugar onde nascemos, nem a casa onde os livros repousam (ou não) sobre a mesa. Não escolhemos se crescemos rodeados por vozes que discutem ideias ou se, pelo contrário, o silêncio da sobrevivência ocupa o espaço que poderia ser de contemplação. Ninguém escolhe, à partida, se os olhos se habituam a ver o mundo por entre janelas de vidro ou grades invisíveis. Mas o mundo começa por nos chegar assim — através das paredes, das palavras, dos gestos que nos cercam.

A influência do meio é, por isso, uma variável incontornável. Não é determinante, mas é profundamente influente. Há quem cresça com os sentidos treinados para reparar na luz, porque viu alguém a apontá-la antes, a nomeá-la, a fazer dela um lugar seguro. Outros crescem às escuras, sem saber que se pode olhar o mundo com espanto, ou sequer que isso é uma possibilidade. E é aqui que começa a diferença.

Ser exposto à beleza, seja na forma de um livro lido em voz alta, de uma canção antiga, de um quadro, de uma palavra justa ou de um gesto de empatia, não é condição necessária para se ser sensível a ela. Mas é, sem dúvida, uma vantagem. Um privilégio silencioso, que não deve ser romantizado nem ignorado. Porque quem o tem parte de um ponto diferente. Não melhor, mas mais adiantado. E isso não é indiferente, sobretudo quando vivemos num tempo em que a pressa e o ruído ameaçam engolir a escuta.

Não podemos evitar nascer permeáveis. Os primeiros anos colam-se à pele, moldando-nos. Mesmo sem a intenção de ensinar, os modelos que nos rodeiam ensinam-nos como se reage à dor, como se fala do outro, como se lida com o silêncio, com o erro, com o espanto. Às vezes, basta o silêncio de uma sala para que algo antigo se acenda por dentro. Olho para a poltrona vazia e ouço uma voz. Uma voz antiga, feita de gestos, de ausências, de memórias que não se apagam. É possível desaprender o que se aprendeu, quebrar o molde e reinventar novas formas. Encontrar noutros lugares e noutros tempos aquilo que não se teve no início. Mas não é simples. Há barreiras que não se veem, mas pesam. Como o medo de não saber por onde começar, o receio de não ser bem-vindo, o simples desconhecimento de que há outras possibilidades.

E esta realidade não se aplica apenas às artes. Aplica-se à empatia, à escuta, ao sentido de justiça. À capacidade de imaginar o outro, de sentir o que não é nosso, de se indignar com dores alheias. O meio onde crescemos influencia-nos até naquilo que julgamos ser instintivo. O que achamos belo. O que achamos justo. O que achamos possível.

É por isso que o contexto importa tanto. Não como desculpa, mas como explicação. Como ponto de partida. Porque só reconhecendo as desigualdades de acesso à arte, à leitura, ao pensamento crítico, à linguagem do sentir, podemos começar a construir pontes. A abrir caminhos para que todos possamos estar onde é lugar de todos.

A criação, o pensamento, a curiosidade, estas dimensões tão profundamente humanas, precisam de espaço para nascer. Às vezes, esse espaço é dado. Outras vezes, é conquistado. E essa conquista é, muitas vezes, feita contra o cansaço, contra o medo, contra a sensação de não ter lugar. Mas ninguém deveria ter de escalar uma montanha só para encontrar um livro. 

A origem não determina o destino. Mas influencia o percurso. Influencia a velocidade, os desvios, as pausas forçadas. E quando se teve o privilégio de crescer rodeado por ideias, por arte, por palavras que abrem janelas, então há também a responsabilidade de garantir que esses espaços não são exclusivos. Que podem, e devem, ser multiplicados. Democratizar o acesso à cultura, à sensibilidade, à consciência crítica, não é um luxo nem um favor: é uma urgência.


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