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O Gesto Que Resiste

  • Foto do escritor: Bruna Lopes
    Bruna Lopes
  • 13 de abr.
  • 2 min de leitura

Às vezes, penso que nasci com as mãos inquietas só para nunca deixar de criar. Como se dentro de mim houvesse um motor silencioso, movido pelo desejo de transformar o existente à minha volta. Nem que seja só um bocadinho. Nem que seja só para mim. Há dias em que sinto que nasci com um excesso de perguntas e uma escassez de tempo para as responder. Talvez por isso criar seja também procurar uma tentativa de dar forma às dúvidas, de desenhar uma resposta que não precisa de estar necessariamente certa.

Há qualquer coisa de ancestral no impulso de criar. Como se, desde o primeiro sopro de consciência, o ser humano tivesse procurado deixar um rasto, uma espécie de marca, gesto, uma memória. Um risco na pedra, uma canção lançada ao vento, uma história contada ao lume. Essa urgência que nos distingue, de fazer nascer o que não existe, a vontade de nomear, de moldar, de imaginar.

Criar não se trata apenas de arte, nem de grandes obras ou invenções geniais. Criar é muito mais subtil, e, ao mesmo tempo, mais vasto. Talvez criar seja, antes de tudo, um ato de resistência, uma forma silenciosa de desafiar a estagnação do mundo.

Pergunto-me se nascemos para criar ou se criamos para nos lembrarmos de que nascemos. Talvez ambas as coisas sejam verdade. Porque criar é, de certa forma, reclamar o direito ao significado. Um sussurro teimoso contra o ruído. Uma forma de estar cá, por inteiro. Mesmo quando nada é novo, há sempre uma maneira nova de olhar. E talvez seja isso que me move: a possibilidade de reordenar o caos, juntar peças e ver surgir um sentido. Como se assim conseguisse afinar o mundo por dentro, ou, pelo menos, a parte que me cabe.

Quando dou por mim exausta e desencontrada nos momentos quietos, sinto uma ausência estranha. Nem sempre é fácil, porque o tempo escapa, e com ele, a liberdade de parar. A vida é tão apressada e exigente, que acho que nos esquecemos como se respira devagar. Como se escuta o silêncio de dentro. Como se observa o mundo com olhos de espanto. Se a criatividade pode prosperar no quotidiano, também pode perder-se, sem darmos por isso, soterrada sob os afazeres urgentes e inadiáveis e o cansaço invisível que nos rouba o gesto.

Quando crio, não estou apenas a fazer, estou a tocar o que é sagrado. Como se a própria vida me sussurrasse ao ouvido que, afinal, fomos feitos para isto. Para transformar. Como se criar fosse, no fundo, uma forma de tocar o eterno com as mãos frágeis do agora. Como um lugar onde posso pousar o coração. Um espaço onde o tempo abranda e a tristeza se desfaz. Onde a infância se lembra de mim, e a memória deixa de doer. Tento criar para não me perder. Para me encontrar. Para fazer da vida uma coisa mais habitável.

Criar não deixa de ser amar, mesmo que ninguém veja. É deixar uma parte de nós no mundo, não para durar, mas para viver.


ree

1 comentário


maria marques
maria marques
30 de abr.

lindo!!

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