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Punkadaria

  • Foto do escritor: Sul
    Sul
  • 18 de nov. de 2024
  • 3 min de leitura

A revolta leva à irreverência, e a irreverência leva à mudança. 

Penso que é esse o caminho insubmisso que o punk abarcou: rebeldia que gritava muito alto por liberdade. Estar livre dos juízos morais da sociedade capitalista viciosa, provocá-la e incorporar tudo o que ela condena.

Enquanto no Reino Unido, em 1976, “God save the Queen (she ain't no human being)” já se fazia ouvir no panorama alternativo, como reação dos jovens desesperançosos sobre o futuro, e toda uma estética de “descuidado” surgia, através do uso de roupas rasgadas, slogans provocativos, alfinetes, casacos de couro, cabelos pontiagudos, etc., em Portugal o punk exprimiu-se de forma singular. 

No contexto musical português da década de 70, o público mais jovem deliciava-se com um “novo mundo” que se abria. A divulgação de bandas como Genesis, e, mais tarde, Pink Floyd, deu a conhecer um conceito diferente de rock, mais complexo e trabalhado, pelo que requeria dos artistas um domínio musical mais apurado e sobrecarregar maiores custos na realização de espetáculos. Dessa “exigência” o punk introduziu-se como alternativa. Não interessa saber tocar, só é necessário ter atitude e transpor a fervura das emoções em cada acorde, batida e letra.

Esta nova forma de percecionar a música constituiu uma democratização da arte nunca antes vista, muito associada à cultura do “Do it Yourself”: a arte desvinculou-se de um certo elitismo, à qual esteve associada durante o regime ditatorial, e ampliou-se. A malta nova começou a perceber que se os outros conseguiam fazer música, eles também conseguiriam, mesmo que não pertencessem a uma editora, não tivessem os melhores equipamentos e, por vezes, não soubessem tocar.

O rock sofreu, como referido anteriormente, uma evolução a nível de formalidade (simplificando-se), mas também a nível temático. As canções deixaram de se focar em amores arrebatadores, passando a integrar aspetos do quotidiano da maioria dos portugueses da altura, com um toque de niilismo. A verdade é que Portugal depois do 25 de Abril caracterizava-se por um clima de instabilidade. O povo revestido da liberdade que tanto ansiava não autorizava um retrocesso revolucionário, ainda assim, tentava-se perceber qual o rumo político que o país seguiria. Apesar de ter havido mudanças positivas quase automáticas, as alterações sociais prometidas não foram assim tão sentidas, o que desagradava a população, sobretudo os jovens. Daí a necessidade destes em expressarem o seu individualismo, perante uma sociedade ainda muito tradicional e normativa que não via com bons olhos o ser diferente.

Deste contexto destacam-se as bandas como Aqui d´El Rock, Faíscas, Minas & Armadilhas, entre outras, que estiveram na vanguarda do movimento punk-rock em Portugal. Tinham como objetivo primário agitar a falsa calmaria em que o país adormecera. “Queríamos fazer uma ação direta (...) que levasse as pessoas a dançar”, disse Pedro Ayres Magalhães, membro dos Faíscas, para a RTP. E assim o fizeram, eternizando  espaços como o “Rock Rendez-Vous”, situado em Lisboa, que deu a conhecer ao país inúmeras bandas e artistas nacionais, provando, assim, que era possível cantar em português, e que não só se podia, como se devia! Era, realmente, uma sala imprescindível para qualquer músico que desejasse afirmar-se na indústria, assim como qualquer pessoa que quisesse estar a par das transformações culturais em que o país mergulhava. 

Evidentemente que o punk não permanecera intocável ao longo do tempo, e há quem mesmo afirme que, a partir de 1984, este morrera. Mas será mesmo verdade? Acho que uma corrente tão barulhenta, que desconstruiu radicalmente as convicções relativas à arte, à sociedade e até mesmo à política, não poderia ter um período de vida assim tão efémero.

Inclusive, mesmo após essa suposta data de falecimento, continuaram a existir projetos que herdaram a rebeldia do punk, mesmo que tivessem outro estilo e sonoridade. Aliás, “punk is not dead” é efetivamente garantido pelo facto de que nunca interessou a estética, mas sim a conduta. O punk continuará a sobreviver desde que tenhamos a ousadia em sermos verdadeiros connosco e com o mundo, não nos deixarmos ser levados pelo rebanho, e contestemos ruidosamente pelos demais que são sistematicamente oprimidos e marginalizados.


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